Chamar Jesus de marketeiro soa quase blasfêmia. O adjetivo é
pejorativo. Primeiro para os profissionais do marketing, e muito mais
para Jesus. O título é quase sempre confundido com propaganda enganosa e
manipulação desonesta. Mas o termo pode ser redimido. A verdade é que a
teoria que os manuais contemporâneos de comunicação e
de marketing ensinam foi praticado por Jesus como sabedoria.
Advirto que não gosto dessas comparações do tipo Jesus foi o maior
psicólogo, o maior coach, o maior formador de equipe, e assim por
diante. Além de esvaziar a grandeza de Jesus, que é
incomparável, corre-se o risco de atribuir a Clark Kent o que é possível
somente ao Superman. O fato é que Jesus merece nota máxima em todos os
quesitos utilizados hoje para medir a excelência de qualquer
profissional.
Mas o xis da questão é o seguinte: Jesus foi um
excepcional marketeiro. Fosse ele uma campanha publicitária, disse
Adilson Xavier, sua estrutura seria perfeita. “Primeiro, houve um
importante período de teaser, com os profetas do
Antigo Testamento criando expectativa em torno do Salvador que
haveria de chegar. Depois a intensificação do teaser, num misto de
aquecimento e pré- lançamento da campanha, com João Batista fazendo a
ponte entre as profecias e a efetiva chegada do aguardado
personagem”.[1]
A estréia de Jesus de Nazaré não poderia ser mais extraordinário e
midiático: ajoelhado às margens do rio Jordão, Jesus recebe a visita do
Espírito Santo, que repousa sobre ele na forma corpórea de uma pomba,
enquanto os holofotes do céu se acendem como moldura para o ecoar da voz
do Deus Altíssimo que declara em alto e bom som: “Esse é o cara”.
O day after aponta para um conjunto de ações estratégicas que sugerem
um planejamento minuciosamente elaborado pelo conselho divino da
Santíssima Trindade. Eis uma boa definição de marketing: conjunto
harmônico de ações estratégicas que visam a gerar consumidores e ou
usuários de um produto ou serviço. No caso de Jesus, o que seria isso
que chamamos de produto ou serviço? Arrisco dizer que o que Jesus
oferecia aos seus circunstantes (clientes) era, nada mais nada menos, do
que ele mesmo: “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida”; “Venham a mim!
Andem comigo e vocês vão recuperar a vida”; “Eu Sou a Luz do mundo”;
“Eu Sou o pão da vida”; “Eu Sou a Ressurreição e a Vida. Quem crer em
mim, ainda que morra, viverá”; e a mais bombástica das afirmações: “Eu e
o Pai somos um: ver a mim é ver o Pai”.
Não é de admirar que Jesus estivesse ocupado com o que chamamos
demarketing de posicionamento. Essa é a razão porque encomenda uma
pesquisa de opinião para identificar o lugar que ocupa na cabeça de seu
público: “O que pensam de mim? Quem o povo pensa que eu sou?”. Depois
transforma seus discípulos numa espécie de focus group e faz uma
pesquisa quali: “E vocês, o que pensam de mim?”. Jesus sabia que a
aceitação de sua mensagem estava absolutamente vinculada à exata
compreensão de sua identidade: se eles não sabem quem sou, não
entenderão o que eu digo, não aceitarão o que proponho, e não serão meus
seguidores.
Os passos de Jesus seguem um cronograma inteligente, tanto na
cronologia quanto na geografia. Começa em Nazaré, sua cidade de origem, e
vai caminhando em direção ao mundo gentílico (não judeu), até chegar na
Galiléia.
Primeiro, se revela ao seu próprio povo, depois abre gradativamente a
porta de acesso aos estrangeiros. Vai se mostrando aos poucos, criando
suspense e interesse nas multidões, num balanço perfeito de aparições
públicas e afastamento, entremeado de afirmações de impacto. Seus
milagres e ações de misericórdia e compaixão são de amplo espectro, mas
desenvolvidos com impecável (desculpe o trocadilho) precisão: cura as
pessoas certas, no lugar certo, na hora certa, e faz questão de
encaminhar cada uma delas aos formadores de opinião e autoridades
espirituais do povo. Jesus parece caminhar com um cronômetro que lhe diz
o momento exato para cada uma das ações planejadas. Recomendações
diferentes para pessoas diferentes em ocasiões diferentes: “Não conte
nada para ninguém”; “Conte apenas aos sacerdotes”; “Conte para todo
mundo o que eu fiz por você”.
Jesus foi também um expert em marketing de relacionamento. Um dos
seus primeiros atos de campanha foi formar um time, sempre soube que o
plural tem primazia sobre o singular, e por isso mesmo enviou sua equipe
de vendas sempre dois a dois. Foi o mestre da inclusão e chamou para a
mesa gente de tudo que é tipo e reputação. A essência de sua caminhada
foi o convite à fraternidade universal, à comunhão do amor a Deus e ao
próximo, sendo ele mesmo o padrão do amor: “Assim como eu amei vocês”.
Além de ser ele mesmo um logo humano, a encarnação de sua mensagem,
vivendo de modo indubitavelmente coerente com sua campanha, foi um
exímio contador de histórias e criador de aforismos. Suas parábolas
tinham características virais, com conteúdos próximos a bombas de tempo,
que ficavam borboleteando nas mentes dos ouvintes e explodiam de
maneira inesperada gerando o alumbramento e a metanóia – expansão da
consciência.
Para encurtar a história, uma vez que acredito ter demonstrado meu
argumento, lembro apenas que Jesus foi um criativo capaz de ilustrar sua
mensagem, pessoa e obra, em ícones mnemônicos: o batismo nas águas, que
dramatiza a morte e ressurreição para uma nova dimensão de existência e
vida; a eucaristia, quando o pão repartido é o corpo do Agnus Dei, e o
vinho é o sangue derramado do Cristo Redentor. Lembro, ainda, que acima
de todas as marcas, reina soberana a cruz, espetáculo de horrores e
símbolo da maior expressão passional de um Deus que morre por amor. Ouça
essa conversa:[2]
– Só isso?
– Quanto mais simples, melhor.
– Mas um traço horizontal cruzando outro vertical não quer dizer nada.
– Desculpe, mas eu acho que quer dizer tudo.
– Lá vem você com filosofia de criador…
–
Daqui a algum tempo, um Descartes da vida, entre uma filosofada e
outra, vai acabar descobrindo que o cruzamento de duas linhas define com
precisão qualquer ponto de qualquer superfície. Imagina isso recebendo o
nome de “coordenadas”. Eu garanto que essa marca ainda vira um gesto.
– Gesto?
– Se, com a mão direita, você tocar sua testa, abdômen, o ombro esquerdo e o ombro direito, nessa sequência, o que acontece?
– É como se eu traçasse a cruz sobre mim.
– Perfeito. Um escudo invisível. Nossa marca sendo reverenciada, fazendo as pessoas se sentirem protegidas.
– Agora você realmente passou do ponto. Tá pensando que é Deus?
– Por que não?
A pergunta, portanto, a respeito da legitimidade
do marketing religioso precisa ser corretamente elaborada. Não se trata
de ser contra ou a favor. O que se deve considerar é sua dimensão ética.
E também, e principalmente, nesse sentido, Jesus é mestre. Considerando
ético o marketing cujo conjunto de ações é uma extensão de identidade
(comunico o que de fato sou), com legítimas motivações e finalidades
(ofereço o que promove o bem comum), Jesus foi, sem dúvida, uma estrela
de primeira, para não dizer singular, grandeza. Não falou mentira a
respeito de si mesmo, não diminuiu as demandas de seu discurso, não
manipulou a fé popular, não prometeu o que não podia entregar, não
ofereceu paliativos, não brincou com os sonhos, anseios e esperanças das
massas desesperadas, não buscou seus próprios e egóicos interesses, mas
deu de si e a si mesmo, derramando sua própria vida para que todos
tivessem vida.
Provavelmente por essas razões, a afirmação de que Jesus foi uma
estrela domarketing seja quase uma blasfêmia. Alguém poderia sugerir
que, de fato, Jesus fez o anti marketing, ou tenha se recusado a usar os
artifícios que hoje atribuímos pejorativamente como marketeiros.
Jesus, por exemplo, não vendeu a alma aos poderosos de ocasião. Não
tentou impressionar os filósofos gregos e muito menos tentou agradar nem
se associou aos senadores e autoridades políticas romanas, além de
criar caso e expor ao ridículo os formadores de opinião do judaísmo de
então.
Para quem pretendia deflagrar um movimento universal, é estranho que
não tenha publicado um livro, nem mesmo uma espécie de auto-biografia
promocional, nem tenha sistematizado seu ensino em cinco passos para a
felicidade, três degraus para o sucesso ou sete caminhos para vida
abundante.
Para piorar a situação, Jesus andava sempre mal acompanhado: seus
seguidores imediatos eram homens rudes, iletrados, sem berço e sem
qualquer expressão social ou coisa a oferecer para alavancar a campanha
de salvar o mundo.
Vivia se banqueteando com gente de reputação duvidosa e se deixando
tocar e abraçar por doentes e moralmente impuros conforme o
cerimonialismo religioso da época.
Jesus não desenvolveu a indústria dos amuletos religiosos, jamais
permitiu que suas roupas e objetos de uso pessoal fossem fetichizados
pela superstição popular, não estabeleceu peregrinações para qualquer
cidade o monte identificados como propícios para se buscar a Deus. Não
criou um sistema semanal de eventos voltados a milagres especiais, não
ensinou mantras e palavras mágicas, não fez correntes de fé nem
distribuiu e Na verdade, desferiu golpes duríssimos contra a estrutura
religiosa da tradição farisaica e corrompeu todos os hábitos e
cerimoniais que se prestam a gerar identidade de grupo e espírito de
corpo.
Deixou seus seguidores praticamente sem qualquer instrumento de
amarração simbólica de controle das massas. Sem qualquer sombra de
dúvidas, fosse Jesus um líder religioso treinee em qualquer dessas
neo-seitas populistas, seria imediatamente considerado um estorvo, quem
sabe incompetente ou inadequado para a função. Incapaz de usar máscaras e
se comportar como personagem à vontade no palco, nada afeito à
manipulação psico-emocional para conquistar prosélitos, sempre falando
que o dinheiro é perigoso, condenando o acúmulo de riquezas e
enfatizando o cuidado dos pobres, sem qualquer pretensão de criar
produtos para divulgação de sua seita, discreto demais para quem se
afirma o unigênito do Deus criador dos céus e da terra, entra em
Jerusalém sem ostentar uma capa cintilante enquanto cavalga um cavalo
branco, mas arrastando os pés no chão montado num jumentinho.
Não foi sem razão que se dizia que o movimento de Jesus nada tinha de
religião: não tinha templos, não tinha sacerdotes, não tinha cultos,
não tinha dias ou lugares sagrados, enfim não tinha nada. Tinha apenas a
convicção de que o
Cristo estava vivo, havia aparecido a muita gente antes de subir aos
céus e voltar para seu Pai, e depois havia derramado seu Espírito para
viver em todos os corações de fé.
A conclusão a que se chega é que Jesus foi sim um extraordinário
homem demarketing. Mas não o fez seguindo teorias potencializadoras de
resultados. Jesus foi apenas ele mesmo. Suas palavras eram perfeitamente
coerentes com seu caráter. Sua mensagem era apenas e tão somente
manifestação do seu coração. Seus atos foram expressões de sua compaixão
genuína por todos aqueles com quem trocou olhares. Ao fim das contas,
na verdade, o caminho de Jesus não foi marketing driven. Foi love
driven. E por isso mesmo chegou onde chegou.
[1] Xavier, Adilson. O Deus da criação. Rio de Janeiro: BestSeller, 2006.
[2] Idem.
[Publicado originalmente na Revista da ESPM, edição de Janeiro/Fevereiro 2012]
Por Ed René Kivitz
Fonte: Portal Guia me