Meu caro Pedro,

Fiquei muito feliz com a noticia de que você esta pastoreando a igreja de seus pais desde o ano passado. Agradeço sua carta comunicando o fato e também da confiança depositada em min, ao expor os conflitos com o “grupo de louvor” de sua nova igreja. Percebo que desde a sua posse este tem sido um dos assuntos que o mais tem afligido, você foi eleito para cinco anos e ainda tem um longo caminho a ser percorrido. Como pastor da igreja, esta em suas mãos tanto as prerrogativas e condução do culto quanto à autoridade para orientar o que vai ser cantado no culto e de que modo. Em alguns casos, o desgaste já é tão grande que não existe mais dialogo possível entre pastor e o grupo de louvor. Espero que não seja esse o seu caso, e nessa esperança, dou-lhes os conselhos que se seguem:
É necessário reconhecer que nós, cristãos tradicionais, já perdemos a batalha por um culto simples, espiritual, teocêntrico e equilibrado. O movimento gospel veio para ficar. Nós perdemos, porque erramos na estratégia. Há cerca de 10 anos, quando a igreja Batista da Lagoinha começou a comandar o louvor nas igrejas evangélicas no Brasil, preferimos resistir frontalmente e insistir com nossas igrejas a que ficassem com os hinos de nosso hinário. Foi um erro. Deveríamos, além disso, ter apresentado uma alternativa a musicas deles. Há exceções, mas muitas delas são sofríveis, musicalmente falando, com uma teologia fraquíssima. São cânticos permeados de conceitos arminianos, neopentecostais, da teologia da prosperidade, característicos daquilo que é produzido pelos músicos e cantores gospel da atualidade. Infelizmente não conseguimos oferecer nada melhor desde o inicio, a não serem apelos para a preservação dos hinos tradicionais.
Comece solicitando ao grupo de louvor uma relação de todos os cânticos do seu repertorio e se comprometa a estar presente em todos os ensaios para estudos bíblicos sobre louvor e adoração, propondo-se a analisar a propriedade, a teologia e até mesmo o português desses cânticos. Nesses encontros, aja humildemente e não autoritariamente. Lembre-se de que eles estão acostumados a tocar tudo o que querem sem exercer critica acerca do que estão cantando. Procure conduzir a discussões para a bíblia, como o referencial ultima de tudo o que vai ser feito no culto. Leve-os a perceber por si próprios que determinadas letras são inadequadas e a desistirem delas. Nesse sentido, o maior aliado é o púlpito. Pregue sobre a centralidade no culto, sobre a necessidade da boa doutrina, sobre o perigo dos falsos ensinamentos, sobre o poder da musica para o bem e para o mal e o imperativo de mantemos o culto dentro dos parâmetros bíblicos.
Coloque como regra inflexível – se possível aprovada como decisão do conselho da igreja – que todos os participantes do grupo de louvor também devem estar totalmente integrados na vida da igreja, participado da escola bíblica, das sociedades domesticas, sendo assíduos aos cultos. Mais importante que tudo, deve ser exposto como condição “sine qua non” que suas vidas sejam irrepreensíveis, verdadeiro exemplo para os demais membros da igreja. Insista que eles devem participar do culto todo e que é inaceitável que, após o momento de louvor, saiam e fiquem do lado de fora da igreja. Não abra mão disso.
Com muito cuidado, procure diminuir o volume com que eles tocam. Por alguma razão, os grupos de louvor tem a ideia de que os cânticos tem que ser tocados e cantados com os instrumentos e o vocal no volume máximo. Isso incomoda as pessoas no culto, pois temos que levar em consideração que temos pessoas idosas na igreja, que às vezes suportam caladas, e saem do culto com os ouvidos zunindo. Vizinho de igrejas, que são silenciosos, que podem até não reclamar na policia, mas que no intimo já tomaram a decisão de que jamais se tornarão cristãos. E também no que diz respeito à qualidade de som, som alto não é sinônimo de qualidade. Se necessário for, chame um profissional para conversar sobre essas questões com o grupo de louvor. E ainda mais, se necessário for invista e som de qualidade, que também deve ser acompanhado de um profissional. Em especial trabalhe com o baterista, procurando convence-lo de que o alvo da bateria não é fazer barulho, mas marcar o compasso da musica de maneira discreta, misturando-se com a melodia, a ponto de que se torne quase imperceptível. Esse provavelmente será o seu trabalho mais difícil. Mostre a importância de contratarem aulas particulares, tanto o vocal como instrumental, como isso acrescentado crescimento técnico no culto, pois temos que fazer o melhor para Deus. No salmo 33:3-4 diz: Cantai-lhe um cântico novo, tocai bem e com jubilo, porque é palavra do Senhor é reta, e todas suas obras são fieis. Mostre que essa historia de que “Deus não escolhe os capacitados, mais capacita os escolhidos”, nem sempre é correto. Sim, creio que Deus capacita, e que tudo vem Dele, mas nos temos uma grande parte nessa capacitação.
Outra tarefa difícil será convencer o guitarrista de que o culto não é show e nem os louvores uma oportunidade para solos incríveis de guitarra. Exibições individuais do desempenho dos instrumentistas apenas chamam a atenção para eles, não para Deus. Como alternativa, sugira uma apresentação musical, num sábado a noite, onde outras bandas poderão ser convidadas para um festival gospel. E tenha cuidado de não dar a esse encontro nenhuma conotação de culto. La eles poderão mostrar toda a sua capacidade com a guitarra e demais instrumentos. Mas, no culto, usem os instrumentos de forma discreta, para acompanhar os cânticos.
Tente mostras a eles que mandar o povo ficar em pé toda vez que assumem o microfone nem sempre fica bem. As vezes o pastor acabou de mandar o povo sentar. Diga que deixem o povo sentado. Não vai prejudicar em nada o louvor se o povo ficar sentado. Além disso, há idosos e pessoas doentes que não conseguem ficar 20 minutos em pé. Eles devem pensar também no pregador, que além de ficar em pé durante o tempo do louvor, vai ter que ficar no mínimo uns quarenta minutos em pé. Não tem quem aguente.
Procure convence-los a ocupar menos tempo da liturgia. Se conseguir será uma grande vitória. Uma sugestão que você pode dar nesse sentido é que não repitam o mesmo cântico duas ou três vezes, como costumar fazer. Também que cortem as “introduções”, geralmente compostas de repetições de clichês e frases batidas que não dizem nada. Se você conseguir convencer os lideres do grupo nos culto de que a tarefa dele é cantar e não exortar e dar testemunho, ira diminuir bastante o tempo empregado no louvor, além de poupar os ouvidos dos cristãos de ouvir besteiras e chavões que só tomam tempo mesmo.
Outra coisa que me ocorre: insista em que estejam preparados antes do culto. Estabelece um horário para que tudo e todos estejam prontos. Fica muito feio e distrai o povo quando os componentes do grupo de louvor ficam afinando instrumentos, equalizando o equipamento de som, plugando e desplugando cabos quando o culto já começou. Ensine-os a serem profissionais naquilo que fazem, e que nosso Deus é Deus de ordem.
Procure mostrar que eles não são levitas. Não temos mais levitas hoje. Todo o povo de Deus, cada cristão em particular, é um “levita”, um sacerdote, como o novo testamento ensina. É uma ideia abominável que os membros do grupo de louvor são levitas. Isso reintroduz o conceito de que o louvor e o acesso a Deus são prerrogativas de apenas um grupo e não a todo o povo de Deus. Resista firmemente a essas ideias erradas, que são oriundas das igrejas neopentecostais, especialmente daquelas que se fizeram encima do movimento do louvor. Tais conceitos só servem para que eles se sintam mais do que realmente são e, portanto, intocáveis. Procure incutir na mente deles que aquilo que eles fazem no culto não é mais louvor, nem é mais espiritual que o cântico de hinos acompanhados ao órgão ou ao piano.
Por fim, ore bastante para que os membros do grupo de louvor não sejam filhos de presbíteros ou de famílias influentes da igreja, porque se forem, vejo que sua missão terá uma grande missão de fracassar. Por mais cristão e sério que os presbíteros sejam, é muito difícil que contrariem sua própria família, muitos menos seus filhos. Com algumas honrosas exceções, você não terá o apoio deles para reduzir, minimizar, limitar e mesmo qualificar a participação do grupo de louvor no culto. Nesse caso, restarão poucas opções. Uma delas é capitular por completo e deixar o grupo de louvor fazer o que sempre fez, suportando heroicamente, enquanto ora baixinho no culto “Deus, dá-me paciência para que eu possa suportar esse calvário durante o tempo que ficar aqui”. Outra opção é simplesmente pedir as contas e ir embora para outra igreja.
Mas, sobretudo que você encontre misericórdia da parte de Deus para que esse desafio seja vencido e sua igreja desfrute do verdadeiro louvor durante os cultos.

João.


Qualquer semelhança com a sua igreja são mera coincidência.

Texto extraído do livro O que estão fazendo com a igreja, Ascenção e queda do movimento evangélico brasileiro.
Autor: Augustus Nicodemus
Editora: Mundo Cristão
Adaptação: Rafael Murbak

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