De paparicos à disciplina. Os avós ocupam cada vez mais um lugar de destaque na educação dos netos. Ao mesmo tempo, os jovens observam a nova situação de maneira contraditória: de desvalorização da figura do idoso à admiração pelo novo papel familiar e social que os avós ocupam. Além disso, quando estimulados, os netos se tornam agentes mediadores da velhice, introduzindo os ascendentes aos artefatos tecnológicos e valores do século XXI.

Essas são algumas das conclusões da dissertação de mestrado “Meu tempo, seu tempo: refletindo sobre as relações intergeracionais a partir de uma intervenção no contexto escolar”, da psicóloga Jacqueline Marangoni, da Universidade de Brasília (UnB).

A partir de análise quantitativa e qualitativa, por meio de questionários e entrevistas, a pesquisadora observou, em um primeiro momento que os jovens observam a velhice de forma estereotipada, carregada de pontos negativos. Dos 74 alunos de uma escola pública do Distrito Federal, adolescentes de 12 a 19 anos, quase 75% citaram adjetivos negativos para se referir a uma pessoa idosa. Entre os mais comuns, estavam as palavras “inútil”, “doente”, “dependente” e “feio”.

“É interessante ver como os adolescentes associam o envelhecer sempre a uma perspectiva de doença e de invalidez”, indica Marangoni. Porém, logo na segunda fase do trabalho, quando a pesquisadora realizou uma abordagem qualitativa, mediando grupos de discussão com os jovens, houve uma mudança clara na imagem da velhice, principalmente a partir do momento que o tema se relacionava à figura dos avós.
“Minha avó, para mim, é meu tudo. É minha segunda mãe”, disse Patrícia, uma das entrevistadas de Marangoni. Não é estranho, então, que apenas 10% dos entrevistados tenham descrito a convivência com os idosos como ruim ou muito ruim. Segundo a pesquisadora, os avós contemporâneos aparecem muito associados à estrutura da vida familiar, seja na contribuição da aposentadoria ou no próprio cuidado, disciplina e educação dos netos.

A psicóloga lembra que com a mulher cada vez mais presente no mercado de trabalho, o papel de educação dos filhos foi delegado também aos avós. “Surge uma nova relação bastante interessante. Há a presença do amor e do afeto, mas também a necessidade de agir como disciplinadores”, explica. Segundo a pesquisadora ficam claros dois novos papéis que se estabelecem: os netos agem como mediadores dos avós na era contemporânea e os avós como mediadores de valores familiares.

Enquanto os jovens são os que mostram aos avós os artefatos tecnológicos e as manias e comportamentos de hoje em dia, os avós contam aos netos as histórias do passado e marcam a presença com a disciplina e a ordem a que estavam acostumados. Para Marangoni, essa dualidade que se estabelece pode ser muito interessante e o conflito e a relação intergeracional são pontos fundamentais a serem aproveitados pelo próprio ambiente escolar. “Trabalhar valores como tolerância e cooperação são pontos super positivos que podem sair da relação entre os jovens e idosos. E a escola como espaço de formação do indivíduo deve fazer uso disso no seu próprio cotidiano”, pontua.

Prova de que jovens e idosos podem muito bem trabalhar juntos está no próprio trabalho da pesquisadora. Na terceira fase do estudo, a partir de músicas, colagens e textos, Marangoni reuniu os netos e seus respectivos avós para rediscutir o que é velhice e juventude. Além da preocupação com a violência urbana que se mostrou presente nos dois grupos, ela encontrou a vontade de ambos se relacionarem. “Há espaço para que esses jovens e idosos se encontrem e dialoguem e isso deve ser incentivado”, diz. Com pequenos estímulos, em pouco tempo, a imagem da velhice, antes doente e atrasada, passou a ser vista pelos jovens como mais uma fase da vida com as suas características positivas e negativas.

Segundo a pesquisadora, o olhar para a velhice produtiva se faz cada vez mais necessário na sociedade e encontrar um espaço para o idoso é fundamental, respeitando suas particularidades, mas sem excluí-lo da vida ativa. “Eu serei um idoso que sai muito de casa para se divertir, curtir a vida. Não vou ter essa de ficar parado não. Vou ter muito tempo de lazer”, anunciou, olhando para a possibilidade de “envelhecer com saúde” outro entrevistado de Marangoni.

Fonte: Portal Aprendiz

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